Avenida Malaquias: As Sombras Assombradas do Recife Velho

O Recife Velho, com suas ruas carregadas de história e mistérios, é um lugar onde o passado ecoa em cada esquina. Poucas vias, porém, carregam consigo uma aura tão sombria e misteriosa quanto a antiga Avenida Malaquias. Hoje, aparentemente banal, essa avenida foi outrora uma estrada mal-assombrada, onde os mistérios da noite e o sobrenatural rondavam os moradores e transeuntes.


A Avenida Malaquias, que conecta a Avenida Conselheiro Rosa e Silva e a Avenida Rui Barbosa - e que, nos tempos antigos de Recife, conectava as estradas de Dois Irmãos e do Arraial -, já foi uma via envolta em densas sombras, repleta de jaqueiras e mangueiras centenárias que pareciam transformar a rua em um pedaço de floresta perdida, uma caricatura de avenida urbana. Atrás de seus muros altos, em plena luz do dia, meninos traquinas desenhavam símbolos e palavras obscenas, enquanto o local guardava histórias de crimes e horrores que assombravam os que se aventuravam por ali à noite.

Um dos eventos mais marcantes na memória dos antigos recifenses foi o assassinato do chefe da estação de Ponte d'Uchoa. Por causa disso, uma cruz de madeira foi colocada no local do ocorrido. As árvores tristonhas e pesadas da avenida abrigaram não só os segredos desse crime, mas também muitos outros mistérios, tornando a avenida um lugar temido.

A Avenida do Medo e os Acendedores de Lampião

No período em que a iluminação a gás prevalecia nas ruas do Recife, a tarefa de acender e apagar os lampiões era uma atividade arriscada, especialmente em lugares mal iluminados e envoltos em lendas. A Avenida Malaquias era o maior pesadelo dos acendedores de lampião, que enfrentavam mais do que a escuridão. O sociólogo Gilberto Freyre já narrou relatos de acendedores que fugiam aterrorizados, afirmando terem visto vultos brancos sob as jaqueiras ou criaturas misteriosas rolando na lama. Não eram poucos os que acreditavam que esses vultos poderiam ser lobisomens cumprindo seu destino sombrio ou mesmo as temíveis mulas-sem-cabeça, figuras do imaginário popular brasileiro, que, segundo as lendas, vagavam pelos ermos do Recife.

O medo não parava por aí. Vozes estranhas, vindas do nada, ecoavam entre as árvores. Um acendedor de lampião, certa vez, ouviu bem de perto uma voz rouca, quase fanhosa, que parecia sair diretamente do além. Desesperado, ele largou tudo e correu em direção à uma padaria próxima (na época, a padaria do Castor), gritando e jurando nunca mais voltar para aquele lugar sombrio.

Mas o mais curioso era o conteúdo da mensagem transmitida pela tal voz do além. Ao contrário do que se esperava dos fantasmas, que, segundo a crença popular, preferem a escuridão, essa entidade suplicava: "Não me deixes no escuro!". A súplica por luz parecia desafiar as regras do sobrenatural, já que os fantasmas "ortodoxos", como Gilberto Freyre os chamava, são conhecidos por evitarem as luzes e preferirem os cantos escuros e sombrios.

O Sobrenatural no Recife Antigo

As histórias de assombração da Avenida Malaquias não são apenas um reflexo do imaginário popular, mas também da própria história do Recife, onde as crenças e superstições coexistiam com a vida urbana em expansão. No século XIX, o Recife era uma cidade em transformação, com a chegada de novas tecnologias e o crescimento urbano, mas também uma cidade profundamente conectada às suas raízes e lendas. 

As figuras como lobisomens, mulas-sem-cabeça e outros seres fantásticos povoavam o imaginário dos recifenses. Esses mitos não eram apenas entretenimento ou histórias de medo contadas ao pé da fogueira, mas uma parte viva da cultura local. A Avenida Malaquias, com suas sombras densas e sua atmosfera opressiva, era um cenário perfeito para esses encontros sobrenaturais.

O Recife Velho, especialmente em suas áreas mais afastadas e mal iluminadas, como a antiga Avenida Malaquias, era um lugar onde a fronteira entre o mundo dos vivos e o dos mortos parecia ser mais tênue. Naquele tempo, a escuridão trazia mais do que apenas o perigo físico — trazia também o medo do desconhecido, do inexplicável, do sobrenatural.

A Rua Hoje: Entre o Cotidiano e o Místico

Hoje, a Avenida Malaquias é uma rua ordinária, sem o mesmo peso sinistro do passado. No entanto, para aqueles que conhecem a história do Recife e já mergulharam nas páginas de Gilberto Freyre, ela nunca será apenas uma rua comum. As sombras das jaqueiras e mangueiras podem ter se dissipado, mas as histórias de lobisomens, mulas-sem-cabeça e acendedores de lampião fugindo aterrorizados ainda permanecem no imaginário da cidade.

Como tantas outras áreas do Recife, a Avenida Malaquias nos lembra que a história da cidade é feita tanto de fatos quanto de lendas, e que essas lendas ajudam a moldar a alma de um lugar. O Recife Velho, com seus fantasmas e assombrações, ainda vive na memória dos que percorrem suas ruas — e talvez, à noite, nas sombras que dançam sob as poucas árvores que restam.

Se hoje você passar por lá e sentir um calafrio, lembre-se: talvez não seja só a brisa.

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