Assombrações do Arquivo Público de Pernambuco e a Memória que Nunca Dorme

O Arquivo Público Estadual de Pernambuco, localizado na Rua do Imperador, no histórico bairro de Santo Antônio, é um dos lugares mais importantes para a preservação da memória do estado. Mas, para além de manuscritos centenários, mapas coloniais e registros judiciais, há algo mais guardado ali dentro - algo que não se encontra em prateleiras, nem pode ser microfilmado. Algo que respira entre as paredes antigas e que, segundo muitos, continua vivo.


Erguido originalmente em 1731, o prédio que abriga o arquivo já foi cadeia pública, espaço de dor, tensão e histórias interrompidas. E, como qualquer lugar que acumula sofrimento humano, tornou-se um ponto fértil para relatos de assombrações. Com o passar dos séculos, documentos oficiais foram sendo guardados… e os fantasmas também.

Um prédio que guarda mais do que arquivos

Ao longo de anos, funcionários relataram ouvir passos, móveis sendo arrastados e conversas abafadas durante as madrugadas. Fenômenos recorrentes o bastante para que parte da equipe afirme que trabalhar ali à noite exige um certo "preparo espiritual".

Essas narrativas ecoam não só nos corredores históricos, mas no imaginário de quem frequenta o prédio. Há registros de vigilantes que pediram para não trabalhar no turno noturno - e quem ficou jura que não é apenas superstição.

Mas, após visitar pessoalmente o Arquivo Público e conversar com os seguranças, percebi que há muito mais por trás dessas histórias.

O som dos tiros que não cessam

À noite, é possível ouvir barulhos que lembram tiros vindos de dentro do prédio. Não há eco de rua, nem obra ao redor. São disparos secos, repentinos, como se revivessem uma época em que paredes de pedra serviam de testemunhas silenciosas de execuções e conflitos entre presos.

Na psicologia, chamamos isso de resíduo traumático ambiental - quando um espaço marcado por sofrimento gera a sensação coletiva de que algo permanece ali, reverberando.
Para a antropologia das crenças, isso é a prova perfeita de como lugares guardam “camadas espirituais”.
E para o folclorista, esse é o tipo de narrativa que dá origem a lendas duradouras.

A escada que arrepia

Dentro do Arquivo, há uma escada. Quem passa por ela garante sentir uma sombra acompanhando, uma presença logo atrás do ombro, como se algo observasse cada passo, como se alguém estivesse parado na escada, olhando.

No estudo das lendas urbanas, locais de transição - portas, janelas, pontes e escadas - são considerados simbólicos. Representam a passagem entre mundos. E esse simbolismo costuma indicar onde as histórias de aparições são mais intensas.

Pedras, bolas de gude e o eco das celas

Outro relato frequente é o de pedrinhas sendo arremessadas no piso de madeira, mesmo quando não há ninguém por perto. A descrição lembra também o som de bolas de gude quicando, como se alguém as derrubasse no silêncio da madrugada.

Esse tipo de barulho é comum em edifícios considerados mal assombrados. Em alguns presídios antigos pelo Brasil, guardas relatam sons muito semelhantes - como se presos continuassem batendo objetos nas paredes, marcando o tempo, pedindo atenção, tentando dizer algo.

Do ponto de vista psicológico, esse fenômeno pode ser interpretado como a relação entre ambiente e expectativa: lugares com histórias de violência amplificam a sensibilidade auditiva. Mas a sociologia do medo urbano explica outra coisa: lugares carregados de memória costumam produzir narrativas para “dar conta” do que a razão não consegue explicar.

E, claro, para quem aprecia terror, esses detalhes transformam o Arquivo Público em cenário perfeito de um filme sobrenatural.

Memória, espírito e assombração: tudo arquivado no mesmo prédio

O Arquivo Público de Pernambuco, portanto, não é apenas guardião dos registros oficiais do Estado. Ele é também guardião de memórias invisíveis, das narrativas não documentadas e daquilo que as paredes antigas insistem em contar, mesmo sem papel e tinta.

As assombrações relatadas ali não são apenas histórias de medo. São, também, manifestações simbólicas da própria função do prédio: guardar tudo o que não pode ser esquecido - inclusive o que nunca foi dito.

Seja sob a perspectiva histórica, psicológica, sociológica ou mitológica, uma coisa é certa: naquele edifício, o passado não dorme. E quem vigia suas portas à noite sabe que, vez ou outra, o passado também anda, sussurra, ou joga uma pedrinha para lembrar que ainda está ali.

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