Mistério Revelado: Mercado de São José é um Cemitério Esquecido no Coração do Recife

Escavações arqueológicas descobrem vestígios humanos sob um dos mercados mais icônicos da capital, reacendendo memórias soterradas do Recife Velho.

O Mercado de São José, no coração pulsante do Recife, não é apenas um símbolo da tradição comercial pernambucana. Fundado em 1875, e tombado pelo IPHAN, ele guarda sob suas fundações um segredo que parece saído das páginas mais sombrias da história da cidade: o solo onde hoje se vendem peixes, ervas e rendas já foi um antigo cemitério.

Desde 2024, enquanto o mercado passa por um processo de revitalização, escavações realizadas por arqueólogos e historiadores de três universidades federais trouxeram à luz mais do que vestígios materiais — trouxeram fantasmas da história. Cerca de 30 esqueletos humanos foram encontrados até agora, junto com fragmentos de cerâmica e outros indícios de sepultamento. Segundo os especialistas, esses corpos podem datar do século XVIII, período marcado por epidemias que ceifaram vidas em série na cidade.

As escavações, autorizadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), são coordenadas pela historiadora e arqueóloga Suely Luna, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). O projeto — que também envolve a UFPE e a Universidade Federal do Piauí — é parte do programa PAC Cidades Históricas e conta com o apoio da Fundação Apolônio Salles (FADURPE) e da Secretaria de Infraestrutura do Recife (SEINFRA).

Segundo Suely, o bairro de São José é um dos mais antigos da cidade e já era utilizado como área de sepultamento muito antes da construção do mercado, especialmente nos arredores da Basílica de Nossa Senhora da Penha. Segundo a historiadora, naquele local já funcionava uma feira de peixe antes da construção do mercado no século XIX. Entretanto, antes disso, era local de enterros — possivelmente por causa das epidemias. Suely Luna afirmou que ainda não foi possível confirmar a causa das mortes, mas explica que a presença dos esqueletos é um sinal claro do uso funerário do espaço.

Quando o Recife Esquecido Ressurge

O trabalho de campo tem exigido dos arqueólogos mais do que paciência e cuidado: as marés invadem as escavações, obrigando o uso de bombas para drenar a água e permitir a retirada dos vestígios. 

Mas, entre lama e ossos, emerge um Recife oculto. A pesquisadora diz que este Recife oculto surge em muitos sentidos — arqueológicos, históricos, sociais. "Quando a gente escava, não vê só ossos. A gente vê histórias, vê pessoas. É impossível não se emocionar”, disse Suely Luna.

Os materiais encontrados estão sendo submetidos a datação por carbono-14, o que deverá confirmar com mais precisão a época dos sepultamentos. Paralelamente, o NEPARQ (Núcleo de Ensino e Pesquisa Arqueológica da UFRPE) realiza uma análise documental que já permitiu classificar o Mercado de São José como um sítio arqueológico do tipo “sítio-cemitério” — uma nova camada simbólica e histórica a ser somada à importância cultural do local.

Um Mercado com Sombras

Para quem, como nós, mergulha nas lendas urbanas e nas histórias assombradas de Pernambuco, é inevitável imaginar que esses ecos do passado possam alimentar o imaginário coletivo. Quantas histórias se perderam sob o piso de pedra do mercado? Quantas vozes silenciadas nas epidemias ainda sussurram nas madrugadas do bairro de São José?

Recife é uma cidade onde o invisível se mistura com o cotidiano. Onde os passos apressados dos clientes de hoje ecoam sobre antigos caminhos de procissão, fé e morte. E agora, sabemos: também de enterros esquecidos. Um lembrete de que sob os alicerces de nosso presente repousam as ossadas do passado — e talvez, as origens de muitas de nossas assombrações.

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